Honorários advocatícios contratuais. Algumas polêmicas a respeito da sua fixação pelas partes. Contractual legal fees. Some controversies regarding their setting by the parties

 

RESUMO: Este artigo tem por escopo tratar dos honorários advocatícios contratuais. Analisa a natureza jurídica do contrato celebrado entre advogado e cliente, pontuando que há elementos do contrato típico de mandato, bem como de prestação de serviços. O artigo também tratou da possibilidade de fixação de honorários contratuais em trinta por cento sobre os valores obtidos pelo cliente, montante este que geralmente é aplicado na prática advocatícia, sobretudo em demandas de natureza trabalhista e previdenciária. O método utilizado foi a análise legislativa, focando no Estatuto da Advocacia e da OAB, no Código Civil e no Código de Processo Civil. Também fez uso da análise jurisprudencial e doutrinária.

 

PALAVRAS-CHAVE: Honorários advocatícios contratuais. Natureza jurídica. Procuração. Mandato. Prestação de serviços.

 

SUMÁRIO: 1. Aspectos gerais a respeito da natureza jurídica do contrato celebrado entre advogado e cliente. 2. Das previsões a respeito dos honorários contratuais no Código Civil de 2002 e suas polêmicas. 3. Da possibilidade de estipulação de honorários contratuais em 30% (trinta por cento) sobre os ganhos do cliente. Referências.

 

  1. Aspectos gerais a respeito da natureza jurídica do contrato celebrado entre advogado e cliente

Como é notório, o art. 5º do Estatuto da Advocacia estabelece, em seu caput, que “o advogado postula, em juízo ou fora dele, fazendo prova do mandato”. Ademais, consoante o seu § 2º, ao tratar da procuração como instrumento do mandato, sendo ela prevista para o foro em geral, habilita o advogado a praticar todos os atos judiciais, em qualquer juízo ou instância, salvo os que exijam poderes especiais. Sendo assim, pela própria Lei n. 8.906/1994, a natureza do contrato entre advogado e cliente tem elementos do contrato típico de mandato. Mais uma vez utilizando a expressão mandato, o § 3º do mesmo art. 5º da Lei n. 8.906/1994 prescreve que o advogado pode a ele renunciar, ficando obrigado durante os dez dias seguintes à notificação da renúncia, “a representar o mandante, salvo se for substituído antes do término desse prazo”.

Como inovação introduzida pela Lei n. 14.365/2002, está expresso no § 4º desse dispositivo que, a demonstrar o caráter também de um contrato de prestação de serviços advocatícios, feito até de forma informal, que “as atividades de consultoria e assessoria jurídicas podem ser exercidas de modo verbal ou por escrito, a critério do advogado e do cliente, e independem de outorga de mandato ou de formalização por contrato de honorários”.

Como comenta Paulo Lôbo, a respeito desse art. 5º do Estatuto da Advocacia e em havendo atuação do advogado em juízo ou ad judicia, “o mandato judicial é o contrato mediante o qual se outorga a representação voluntária do cliente ao advogado, para que este possa atuar em nome daquele, em juízo ou fora dele. O instrumento do mandato, onde são explicitados os poderes da representação, é a procuração, que o advogado deve sempre provar. O art. 5º do Estatuto desobriga o advogado de reconhecer a firma do mandante, seja para atuar em juízo, seja para atuar perante a administração pública, porque apenas exige que faça prova do mandato, tal como ocorre com a legislação processual. O art. 105 do CPC admite que a procuração possa ser assinada digitalmente. Em qualquer hipótese, a procuração judicial deve conter o número de inscrição na OAB e o endereço completo”[1]. E mais, confirmando a presença do mandato nesses negócios, aponta o mesmo jurista:

O contrato de mandato está subjacente ao contrato de prestação de serviços profissionais, onde se regula a forma de remuneração do advogado. No direito brasileiro, diferentemente de outros sistemas jurídicos, todo mandato contém representação; não há mandato sem representação. O mandado judicial supõe necessariamente a representação do cliente, ainda que os poderes de representação dependam da procuração, que é o instrumento do mandato. A rigor, a um só tempo, o contrato que se ajusta com o advogado é sempre misto típico, fundindo-se com elementos de três negócios jurídicos: contrato de mandato, contrato de prestação de serviços profissionais e negócio jurídico unilateral de procuração.

A procuração pressupõe o contrato de mandato, que lhe subjaz, ainda que tacitamente. O fato de figurar como representante um advogado qualifica o mandato e o torna necessariamente oneroso[2].

A natureza jurídica do contrato em apreço, portanto, congrega elementos de mandato e de prestação de serviços, ideia que prevalece na doutrina brasileira e com a qual compartilho integralmente. Na mesma linha e quanto aos elementos do contrato em que há a atuação do advogado, ensina Alexandre Guerra que o “o mandato judicial é um contrato que disciplina a representação de determinada pessoa para a defesa dos interesses e dos direitos de outrem em juízo. Necessita de habilitação legal por parte do mandatário. Traz em si dois negócios jurídicos distintos: a representação e a prestação de serviço, alerta a doutrina. As relações estabelecidas são regidas pelos termos do contrato de mandato judicial retratados no seu instrumento e pelo contrato verbal ou escrito estabelecido entre o procurador (mandatário) e o seu cliente (mandante). O mandato judicial tem o elemento confiança (natureza fiduciária) como a sua causa determinante. Nele, avulta a pessoalidade do mandatário”[3]. Nelson Nery Jr e Rosa Maria de Andrade Nery igualmente pontuam a existência de uma prestação de serviços e de um mandato na relação entre advogado e cliente, com destaque para a seguintes lições:

Prestação de serviços e mandato. Agregado a ele existe o contrato de mandato, pelo qual o mandatário representa o mandante e age em seu nome e no seu legítimo interesse. O mandato distingue da prestação de serviços pela função representativa, que existe no mandato, excepcionalmente, pode haver mandato sem representação, como ocorre na comissão mercantil – mas não é da natureza do contrato de prestação de serviços (Serpa Lopes, Curso DC, v. III, n. 432, p. 180). Há, entretanto, posicionamentos doutrinários entendendo que a prestação de serviços identifica-se com o mandato porque têm a mesma natureza e objeto[4].

Especificamente sobre o mandato judicial ou ad judicia, em que se outorga poderes para o advogado atuar em juízo, o art. 692 do Código Civil estabelece que ele “fica subordinado às normas que lhe dizem respeito, constantes da legislação processual, e, supletivamente, às estabelecidas neste Código”. Assim sendo, são aplicáveis as regras relativas ao mandato à atuação do advogado, no que couber e de forma subsidiária. Como pontuo doutrinariamente, ao comentar a norma, “ao contrário do Código Civil de 1916, a Norma Geral Privada não prevê as regras básicas aplicadas ao mandato judicial ou ad judicia, remetendo o seu tratamento para a legislação específica que, no caso, são o Estatuto da Advocacia (Lei n. 8.096/1994), o correspondente Código de Ética e o Código de Processo Civil. O Código Civil tem, assim, aplicação subsidiária ao mandato ad judicia[5].

Ademais, confirmando a presença de elementos do contrato de prestação de serviços na atuação do advogado, o Estatuto da Advocacia igualmente a menciona em alguns de seus preceitos.

Na dicção do seu art. 15, na redação dada pela Lei n. 13.247/2016, “os advogados podem reunir-se em sociedade simples de prestação de serviços de advocacia ou constituir sociedade unipessoal de advocacia, na forma disciplinada nesta Lei e no regulamento geral”. Além disso, o novo art. 17-A da Lei n. 8.906/1994, acrescido pela Lei n. 14.365/2002, enuncia que “o advogado poderá associar-se a uma ou mais sociedades de advogados ou sociedades unipessoais de advocacia, sem que estejam presentes os requisitos legais de vínculo empregatício, para prestação de serviços e participação nos resultados, na forma do Regulamento Geral e de Provimentos do Conselho Federal da OAB”. Incluído também pela mesma norma de 2022, o novo § 6º do seu art. 24 prevê que “o distrato e a rescisão do contrato de prestação de serviços advocatícios, mesmo que formalmente celebrados, não configuram renúncia expressa aos honorários pactuados”. Como se observa, a última previsão fala expressamente em “rescisão” do contrato de prestação de serviços advocatícios, não havendo dúvida quanto à presença de elementos desse contrato típico na atuação do advogado, pela legislação brasileira.

No âmbito da jurisprudência superior, na mesma linha destaco os julgados que reconhecem que, além do mandato legal, a atuação do advogado envolve uma prestação de serviços que deve ser remunerada mesmo após a revogação do mandato. Como primeiro aresto nesse sentido, destaco o seguinte trecho de ementa: “é pacífica a jurisprudência do STJ no sentido de que, revogado imotivadamente o mandato judicial que seria remunerado pela sucumbência da outra parte (contrato de risco), é cabível o ajuizamento da ação de arbitramento para cobrar os honorários, de forma proporcional aos serviços até então prestados. Precedentes”. (STJ, Ag. Int. no AREsp n. 703.889/RS, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 19/10/2020, DJe de 26/10/2020). Ou, ainda: “nos termos da jurisprudência deste Sodalício, é cabível o ajuizamento da ação de arbitramento para cobrança de honorários, de forma proporcional aos serviços até então prestados, quando revogado imotivadamente o mandato judicial que previa a remuneração pela sucumbência da parte contrária. Incidência do Enunciado n. 83/STJ” (STJ, Ag. Int. no AREsp n. 1.167.313/RS, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 19/6/2018, DJe de 29/6/2018).

Nesses casos julgados, na minha interpretação, é aplicado o art. 596 do Código Civil, dispositivo que trata justamente da prestação de serviços, segundo o qual “não se tendo estipulado, nem chegado a acordo as partes, fixar-se-á por arbitramento a retribuição, segundo o costume do lugar, o tempo de serviço e sua qualidade”. Assim, os honorários contratuais seguem regra aberta, sem a previsão de percentuais fechados que devem incidir para a sua fixação.

Ainda sobre a natureza jurídica do contrato existente entre os advogados e seus clientes, trata-se de um contrato bilateral, pois traz direitos e deveres para ambas as partes, de forma proporcional, até por se tratar de um mandato oneroso, que envolve sacrifício patrimonial para ambas as partes. O contrato é consensual, pois tem aperfeiçoamento com a manifestação de vontade das partes e comutativo, pois as prestações são conhecidas pelos contratantes, pelo menos em regra. É possível, contudo, a fixação de um contrato aleatório, fixado a partir do risco assumido pelas partes, sobretudo pelo advogado.

Sem prejuízo dessas suas características, em regra, a prestação de serviços de advocacia é um contrato informal e não solene. Novamente segundo a doutrina de Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, “sua conformação hodierna é de um contrato bilateral, porque contém obrigações recíprocas, e é oneroso, consensual, comutativo, de forma livre e intuitu personae”. Confirmando essas últimas afirmações, o art. 48 do Código de Ética e Disciplina do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil estabelece, em seu caput, que a prestação de serviços profissionais por advogado, individualmente ou integrado em sociedades, será contratada, preferentemente, por escrito. Em complemento, o seu § 1º é claro ao enunciar que “o contrato de prestação de serviços de advocacia não exige forma especial, devendo estabelecer, porém, com clareza e precisão, o seu objeto, os honorários ajustados, a forma de pagamento, a extensão do patrocínio, esclarecendo se este abrangerá todos os atos do processo ou limitar-se-á a determinado grau de jurisdição, além de dispor sobre a hipótese de a causa encerrar-se mediante transação ou acordo”.

Todavia, em se tratando da prestação de serviços advocatícios que envolve o mandato judicial, o mandato é um contrato formal, que deve observar certas peculiaridades, quebrando-se o princípio da liberdade das formas previsto no art. 107 do Código Civil. Como assinala Maria Helena Diniz, “deverá o mandato ad judicia (Lei n. 8.906/94, arts. 3º, 4° e 5º) ser feito por escrito, mediante instrumento público (RT, 606:151) ou particular (RT, 686:139, 704:154) assinado pela parte, a pessoa que possa procurar em juízo ou tribunal, ou seja, a advogado regularmente inscrito na OAB, sob pena de nulidade (RT, 261:695, 544:109, 303:500, 476:169 e 486:145; RF, 103:326, 105:64 e 120:166; JB, 152:52 e 252 e 147:41 e 212; BAASR, 1.956:48, 1.961:59; Ciência Jurídica, 34:84), não sendo mais necessário o reconhecimento da firma do constituinte (CPC, art. 38, com a redação da Lei n. 8.952/94; RI, 769:239, 791:185)”.

No mesmo sentido, pontua Silvio de Salvo Venosa, sem prejuízo de muitos outros doutrinadores que fazem a mesma afirmação quanto à exigência de forma escrita no mandato judicial:

Cuida-se do mandato destinado à atuação do advogado em juízo. Como advogado é essencial às atividades jurisdicionais, salvo exceções a confirmar a regra, apenas o advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados o Brasil pode postular em juízo, bem como exercer atividades do foro extrajudicial privativas do advogado. Esse mandato para o foro ou ad judicia deve ser escrito, salvo nos processos criminais e trabalhistas, nos quais bastará a simples indicação do advogado em audiência. Da mesma forma, dispensa-se a procuração. Quando se trata de defensor nomeado pelo juiz segundo o art. 263, parágrafo único, do Código de Processo Penal. Presume-se que esse mandato seja onerosa, confundindo-se, na verdade, com a prestação de serviços ínsita à atividade do advogado (art. 1.330). O Código de 2002 suprimiu as disposições do Código de 1916 a respeito do mandato judicial (arts. 1.324 a 1330), dispondo, no art. 692, que o mandato judicial fica subordinado às normas que lhe dizem respeito, constantes da legislação processual, e, supletivamente, às estabelecidas no Código. Há também normas que se referem ao mandato judicial no Estatuto da Advocacia (Lei n° 8.906/94)[6].

Estando bem delimitada a afirmação da natureza mista do contrato celebrado entre advogado e clientes, com elementos de mandato e de prestação de serviços, vejamos as polêmicas respeito dos honorários contratuais, aqueles fixados entre as partes por exercício da autonomia privada dos envolvidos, e seus tratamentos no Código Civil de 2002.

 

  1. Das previsões a respeito dos honorários contratuais no Código Civil de 2002 e suas polêmicas

 

Como é notório, o Código Civil trata dos honorários de advogado em alguns de seus dispositivos, destacando-se os arts. 389 e 404, sem prejuízo de outros, sendo pertinente a análise dos dois comandos citados, com cerne principal deste texto.

De acordo com o primeiro dispositivo, recentemente alterado pela Lei n. 14.905/2024, que nada a alterou a respeito do tema dessa artigo, mas apenas quanto à correção monetária e juros, “não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros, atualização monetária e honorários de advogado”. E mais, especificamente quanto ao índice de correção monetária a ser tratado como regra geral: “na hipótese de o índice de atualização monetária não ter sido convencionado ou não estar previsto em lei específica, será aplicada a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), apurado e divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou do índice que vier a substituí-lo” (art. 389 do CC/2002, caput e parágrafo único).

Além disso, o art. 404 do Código Civil estabelece, em seu caput, sem mencionar mais os índices estabelecidos em lei, pois esse será o IPCA como regra geral, que “as perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária, juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional”. E nos termos do seu parágrafo único, “provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar”.

Tenho para mim, seguindo a doutrina que considero como majoritária, que os honorários de advogado tratados no Código Civil são os contratuais, e não os de sucumbência, que estão previstos no vigente Código de Processo Civil, sobretudo no seu art. 85[7].

A esse propósito, trazendo justamente essa afirmação que é amplamente majoritária na doutrina civilista, destaco o Enunciado n. 426, aprovado na V Jornada de Direito Civil, a saber: “os honorários advocatícios previstos no art. 389 do Código Civil não se confundem com as verbas de sucumbência, que, por força do art. 23 da Lei n. 8.906/1994, pertencem ao advogado”. A afirmação da ementa doutrinária, portanto, é que os honorários contratuais previstos no art. 389 são devidos ao credor que os paga, desde que haja efetiva atuação do advogado. A esse propósito, aliás, merece relevo também o Enunciado n. 161, da III Jornada de Direito Civil: “os honorários advocatícios previstos nos arts. 389 e 404 do Código Civil apenas têm cabimento quando ocorre a efetiva atuação profissional do advogado”.

Não se desconhece a existência de divergência que ainda permanece no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, na minha leitura, a respeito do fato de as perdas e danos previstas no art. 389 englobarem ou não os citados honorários contratuais. Respondendo positivamente, colaciono acórdão assim extraído do seu Informativo n. 477, de junho de 2011:

Honorários advocatícios contratuais. Perdas. Danos. Cuida-se de ação de cobrança cumulada com compensação por danos morais ajuizada na origem por transportadora (recorrida) contra seguradora (recorrente) em que alegou haver a recusa de pagamento dos prejuízos advindos de acidente que envolveu o veículo segurado. Requereu o pagamento da cobertura securitária e a reparação pelos danos materiais e morais sofridos com a injusta recusa. Também pleiteou o ressarcimento das despesas com a contratação de advogados para o ajuizamento da ação. O juiz julgou parcialmente procedente o pedido, condenando a recorrente ao pagamento de mais de R$ 65 mil, porém o TJ deu parcial provimento à apelação interposta pela recorrente, e parcial provimento à apelação adesiva interposta pela recorrida para condenar a recorrente a restituir o valor despendido pela recorrida com os honorários advocatícios contratuais. No REsp, discute-se apenas se estes integram os valores devidos a título de reparação por perdas e danos. Assevera a Ministra Relatora que o CC/2002, nos arts. 389, 395 e 404, determina, de forma expressa, que os honorários advocatícios integram os valores devidos a título de reparação por perdas e danos – explica que os honorários mencionados pelos referidos artigos são os honorários contratuais, pois os sucumbenciais, por constituir crédito autônomo do advogado, não importam decréscimo patrimonial do vencedor da demanda. Assim, a seu ver, como os honorários convencionais são retirados do patrimônio da parte lesada – para que haja reparação integral do dano sofrido –, aquele que deu causa ao processo deve restituir os valores despendidos com os honorários contratuais. Contudo, esclarece que, embora os honorários convencionais componham os valores devidos pelas perdas e danos, o valor cobrado pela atuação do advogado não pode ser abusivo, cabendo ao juiz analisar as peculiaridades de cada caso e, se for preciso, arbitrar outro valor, podendo para isso utilizar como parâmetro a tabela de honorários da OAB. Destaca que, na hipótese, não houve pedido da recorrente quanto ao reconhecimento da abusividade das verbas honorárias e, por essa razão, a questão não foi analisada. Diante do exposto, a Turma negou provimento ao recurso (STJ, REsp 1.134.725/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 14.06.2011).

De data mais próxima, da mesma Corte Superior, adotando igual premissa, destaco: “os valores pagos ao advogado contratado integram as perdas e danos, os quais devem ser ressarcidos quando provada a imprescindibilidade da ação e a razoabilidade do valor pago” (STJ, AgRg no REsp 1.354.856/MG, 3.ª Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 15.09.2015, DJe 21.09.2015). Ou, ainda: “os honorários advocatícios contratuais integram os valores devidos a título de reparação por perdas e danos, conforme o disposto nos arts. 389, 395 e 404 do Código Civil de 2002. A fim de reparar o dano ocorrido de modo integral, uma vez que a verba é retirada do patrimônio da parte prejudicada, é cabível àquele que deu causa ao processo a reparação da quantia. Diversamente do decidido pela Corte de origem, este Superior Tribunal já se manifestou no sentido da possibilidade da inclusão do valor dos honorários contratuais na rubrica de danos materiais” (STJ, AgRg no REsp 1.410.705/RS, 2.ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, j. 10.02.2015, DJe 19.02.2015).

Todavia, existem julgados em sentido contrário, afirmando-se na própria Corte que a Segunda Seção já julgou o tema, pacificando que os honorários não entram nas perdas e danos previstas nos arts. 389, 395 e 404 do Código Civil. Assim, por exemplo:

Agravo interno no recurso especial. Honorários advocatícios contratuais. Ressarcimento. Arts. 389, 395 e 404 do CC. Descabimento. Precedentes. Impugnação. Colação de julgados contemporâneos ou supervenientes. Ausência. Art. 1.021, § 1.º, do CPC. Súmula n. 182/STJ. Não conhecimento. 1. A Segunda Seção do STJ já se pronunciou no sentido de ser incabível a condenação da parte sucumbente aos honorários contratuais despendidos pela vencedora. 2. Se ‘fundamentada a decisão agravada no sentido de que o acórdão recorrido está em sintonia com o atual entendimento do STJ, deveria a recorrente demonstrar que outra é a positivação do direito na jurisprudência do STJ’ (STJ, AgRg no REsp 1.374.369/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 26.06.2013). 3. Incidência do Enunciado n. 182 da Súmula desta Corte em face da ausência de impugnação específica dos fundamentos da decisão agravada. 3. Agravo interno não conhecido (STJ, AgInt no REsp 1.653.575/SP, 4.ª Turma, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 16.11.2017, DJe 23.11.2017).

No entanto, consultando-se o último acórdão, constata-se que o julgado citado como da Segunda Seção diz respeito a honorários fixados em demanda trabalhista cobrados no âmbito cível, e não puramente em contrato civil, como aqui se deu. A leitura do julgado traz, assim, dúvidas quanto à afirmação de ser essa a posição consolidada da Corte, o que deverá ser melhor esclarecido pelo próprio Tribunal da Cidadania, especialmente pelo fato de ainda existirem os acórdãos posteriores ao abaixo transcrito em sentido contrário ao que nele consta:

Embargos de divergência. Honorários advocatícios contratuais de advogado do reclamante, cobrados ao reclamado para reclamação trabalhista julgada procedente. 1) Competência da Justiça do Trabalho, a despeito de orientação anterior à Emenda Constitucional 45/2004, mas embargos conhecidos dada a peculiaridade dos embargos de divergência; 2) Inexistência de dever de indenizar, no âmbito geral do direito comum, ressalvada interpretação no âmbito da Justiça do Trabalho; 3) Impossibilidade de alteração do julgado paradigma; 4) Embargos de divergência improvidos. 1. Embora, após a Emenda Constitucional 45/2004, competente a Justiça do Trabalho para dirimir questões atinentes à cobrança ao Reclamado de honorários advocatícios contratuais despendidos pelo Reclamante para a reclamação trabalhista, conhece-se dos presentes Embargos de Divergência, porque somente ao próprio Superior Tribunal de Justiça compete dirimir divergência entre suas próprias Turmas. 2. No âmbito da Justiça comum, impossível superar a orientação já antes firmada por este Tribunal, no sentido do descabimento da cobrança ao Reclamado de honorários advocatícios contratados pelo Reclamante: para a Reclamação Trabalhista, porque o contrário significaria o reconhecimento da sucumbência por via oblíqua e poderia levar a julgamentos contraditórios a respeito do mesmo fato do patrocínio advocatício na Justiça do Trabalho. 3. Manutenção do Acórdão Embargado, que julgou improcedente ação de cobrança de honorários contratuais ao Reclamado, a despeito da subsistência do julgamento paradigma em sentido diverso, pois não sujeito à devolução recursal nestes Embargos de Divergência. 4. Embargos de Divergência improvidos (STJ, EREsp 1.155.527/MG, 2.ª Seção, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 13.06.2012, DJe 28.06.2012).

Em que pese essa suposta necessidade de pacificação na Corte, estou filiado à primeira forma de julgar, eis que não é à toa a previsão que consta do Código Civil quanto aos honorários. São eles os honorários contratuais e não os de sucumbência, sendo certo que os parâmetros dos últimos não podem ser utilizados para o primeiro.

Na doutrina, a posição por mim defendida é compartilhada, por Maria Helena Diniz, que muito me influenciou[8]. Na mesma esteira, opinam Jones Figueirêdo Alves e Mário Luiz Delgado, juristas que participaram da fase final de elaboração do vigente Código Civil: “os honorários aqui referidos não são os honorários sucumbenciais, já contemplados pela legislação processual. Trata-se de honorários extrajudiciais, a serem incluídos na conta sempre que o credor houver contratado para fazer valer o seu direito”[9].

Com idêntica conclusão, pondera Giovanni Ettore Nanni que “o devedor é igualmente obrigado a reembolsar os honorários de advogado, porque o credor pode necessitar de assistência jurídica para defesa de seus interesses. Referida reposição é devida independentemente de ajuizamento de ação judicial ou instauração de procedimento arbitral, uma vez que não se confunde com as verbas de sucumbência (art. 85, CPC), que por disposição legal cabem ao advogado (art. 23, Lei n.8.906/94 e art. 85, § 14, CPC). O citado reembolso é exigível porque se o credor contratar um advogado que resolveu extrajudicialmente sua questão, ao obter indenização sem necessidade de ingressar em juízo, haverá prejuízo para ele se da quantia obtida tiver que deduzir os honorários devidos ao profissional”[10]. Entre os processualistas, leciona Daniel Amorim Assumpção Neves que “conforme correto entendimento doutrinário e jurisprudencial, os honorários previstos nos arts. 389 e 404 do CC são os contratuais, estabelecidos entre a parte e seu advogado para que esse atue na defesa dos interesses daquele em juízo. Não se confundem, portanto, com os honorários sucumbenciais fixados em decisão judicial, até porque tal espécie de honorários, por constituir crédito autônomo do advogado, não importa em decréscimo patrimonial do vencedor da demanda. Realmente não teria qualquer sentido os dispositivos serem interpretados de outra forma, já que os honorários sucumbenciais são suportados pelo vencido e não pela vítima do ato ilícito que precisa do processo judicial para fazer valer seu direito objetivo”[11].

Por fim, e sem prejuízo de muitos outros doutrinadores que poderiam ser citados, explica José Fernando Simão que é preciso separar os dois tratamentos dos institutos: “os honorários devidos pela parte vencida, por força do Estatuto da Advocacia, pertencem ao advogado e não à parte vitoriosa. Esse é o teor do art. 23 da Lei n. 8.906/1994 (‘Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor’), que agora está confirmado pelo art. 85 do CPC/2015 (‘A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor’). É por isso que parte da doutrina admite que o devedor pague ao credor os honorários contratuais, ou seja, aqueles que o credor, por força de contrato, pagou a seu advogado. O Enunciado n. 426 da V Jornada de Direito Civil expressamente autoriza essa cobrança: […]”[12].

Acrescente-se que essa separação está expressa no próprio art. 22, caput, do Estatuto da Advocacia, a Lei n. 8.906/1994, ao prever que “a prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência”.

Portanto, há que se reconhecer essa diferença e separação, a saber: a) os honorários contratuais ou convencionados são devidos à parte credora e regidos pelo contrato celebrado entre cliente e advogado, inclusive quanto aos percentuais e valores devidos; b) os honorários de sucumbência são devidos aos advogados, de acordo com os parâmetros previstos no art. 85 do Código de Processo Civil, entre 10% e 20% sobre o valor da causa, para o caso da advocacia privada (§ 2º). Confundir as situações representa um sério desvio categórico, no meu entender.

Essa separação entre os institutos, a propósito, já foi reconhecida pela jurisprudência superior, em julgado relatado pelo Ministro Herman Benjamim, para os devidos fins tributários. Conforme trecho de sua ementa, “o direito autônomo do advogado aos honorários de sucumbência decorre de outra relação, exclusivamente processual, que não se confunde com a relação de direito material. Por sua vez, o direito aos honorários contratuais configura vínculo obrigacional também estranho à relação jurídica de tributação. […]”. (STJ, REsp 1.759.420/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 20/09/2018, DJE 23/11/2018, pág. 1573). Na mesma linha, julgou a Quarta Turma, com a relatoria da Ministra Maria Isabel Gallotti, “é permitida a cumulação de honorários contratuais estipulados em contrato de locação em Shopping Center com sucumbenciais, considerada a distinção da fonte obrigacional em cada caso. Além disso, a natureza empresarial da relação estabelecida entre lojista e empreendedor de shopping center favorece o primado da livre iniciativa, afastando a intervenção judicial. Precedentes” (STJ, Ag. Int. no AREsp. 2.122.403/GO, Quarta Turma, Relª Min. Maria Isabel Gallotti, DJE 16/12/2022). A menção à livre iniciativa é algo relevante para se retirar entraves desnecessários para a fixação dos honorários contratuais.

Como outro julgado de grande relevância, merece destaque decisum da Terceira Turma do Tribunal da Cidadania, relatada pelo Ministro Cueva, também a respeito de caso envolvendo contrato de shopping center, na linha de uma menor intervenção do julgador, que somente deve ocorrer em casos excepcionais:

RECURSO ESPECIAL. SHOPPING CENTER. LOCAÇÃO DE ESPAÇO. EXECUÇÃO. HONORÁRIOS CONTRATUAIS. REPASSE. LOCATÁRIO. PRÉVIO AJUSTE. BIS IN IDEM. NÃO OCORRÊNCIA. ATIVIDADE EMPRESARIAL. AUTONOMIA DA VONTADE. PREVALÊNCIA. 1. Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Cinge-se a controvérsia a definir se é possível a inclusão de valor relativo a honorários advocatícios contratuais previamente ajustados pelas partes na execução de contrato de locação de espaço em shopping center. 3. Em regra os honorários contratuais são devidos por aquele que contrata o advogado para atuar em seu favor, respondendo cada uma das partes pelos honorários contratuais de seu advogado. A parte vencida, além dos honorários contratuais do seu advogado, também arcará com o pagamento dos honorários sucumbenciais devidos ao patrono da parte vencedora. 4. Na hipótese, o contrato firmado entre as partes prevê que o locatário deverá pagar os honorários contratuais de seu advogado, assim como os do advogado do locador, o que não configura bis in idem, pois não se trata do pagamento da mesma verba, mas do repasse de custo do locador para o locatário. 5. A atividade empresarial é caracterizada pelo risco e regulada pela lógica da livre-concorrência, devendo prevalecer nesses ajustes, salvo situação excepcional, a autonomia da vontade e o princípio pacta sunt servanda. 6. Não há como afastar a incidência de cláusula de contrato de locação de espaço em shopping center com base em alegação genérica de afronta à boa-fé objetiva, devendo ficar demonstrada a situação excepcional que autoriza a intervenção do Poder Judiciário. 7. Recurso Especial provido. (STJ, REsp 1.644.890/PR, Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Boas Cueva, julgado em 18/08/2020, DJE 26/08/2020)

Em suma, como se retira dos acórdãos, os honorários contratuais dizem respeito à relação de direito material; enquanto os honorários de sucumbência são atinentes a uma relação exclusivamente processual, não sendo viável utilizar os parâmetros legais dos últimos para os primeiros, em uma indesejada intervenção judicial e estatal.

A propósito, para encerrar o tópico, destaco que o tema dos honorários contratuais foi debatido pela Comissão Juristas nomeada no âmbito do Senado Federal para a Reforma e Atualização do Código Civil, sobretudo nas reuniões ocorridas entre os dias 1º e 5 de abril de 2024. Ao final, a comissão resolveu, por votos da maioria e acatando texto por mim formulado, incluir novos parágrafos no art. 389 do Código Civil, tratando justamente dos honorários contratuais.

De acordo com a projeção do novo § 1º, “os honorários de advogado previstos no caput são os contratualmente fixados entre as partes, desde que haja efetiva prova do seu prévio pagamento e que conste da ação ajuizada a específica pretensão de reembolso da despesa efetivamente realizada pelo credor”. Ademais, com os fins justamente de diferenciar as categorias, almeja-se um novo § 2º para o art. 389 do Estatuto Processual, in verbis: “os honorários contratuais previstos neste artigo não excluem os honorários sucumbenciais tratados na lei processual”.

Anoto que foram rejeitadas propostas que almejavam aplicar os mesmos parâmetros do art. 85 do Código de Processo Civil para os honorários contratuais, justamente porque as duas categorias não se confundem, sendo até cumuláveis, como vem entendendo esta jurisprudência superior do Tribunal da Cidadania. Espera-se, para uma maior efetivação da segurança jurídica, que as propostas sejam aprovada no âmbito do Congresso Nacional, trazendo para a norma civil o que hoje prevalece na doutrina e na jurisprudência brasileiras.

 

  1. Da possibilidade de estipulação de honorários contratuais em 30% (trinta por cento) sobre os ganhos do cliente

 

Tenho defendido há tempos a plena possibilidade de fixação de honorários contratuais em trinta por cento sobre os valores obtidos pelo cliente, montantes que são geralmente aplicados na prática, sobretudo em demandas de natureza trabalhista e previdenciária, que envolvem pessoas em situação de vulnerabilidade ou hipossuficiência.

Também em demandas arbitrais, tenho visto, como árbitro essa fixação em contratos empresariais, inclusive com pedidos de condenação de honorários contratuais perante os respectivos procedimentos arbitrais. Em muitas tabelas da categoria, aliás, esse é o limite máximo de percentual a ser cobrado em muitas atividades, sem que se reconheça qualquer exagero ou desproporção nessa cobrança.

Trata-se, portanto, de percentual consolidado pelas regras de tráfego lícitas dos contratos de advocacia celebrados em nosso País, nos termos do art. 113, caput, do Código Civil: “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”. Sobre a valorização do que é habitual e corriqueiro em cada tipo contratual, sempre destaco o teor do Enunciado n. 409, da V Jornada de Direito Civil, a saber: “os negócios jurídicos devem ser interpretados não só conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração, mas também de acordo com as práticas habitualmente adotadas entre as partes”.

Não há que se cogitar, nesse contexto, qualquer onerosidade excessiva, abusividade, desproporção negocial ou lesão, em contratos que fixam os honorários contratuais em trinta por cento dos ganhos do cliente, não sendo o caso de se aplicar o art. 157 do Código Civil, que trata da lesão como vício do negócio jurídico, a ensejar a sua anulação ou revisão[13]. Vale lembrar que a possibilidade de se reconhecer a nulidade relativa por esse vício da vontade está expressa no art. 171, inc. II, do Código Civil, sendo a revisão do contrato amplamente admitida pela doutrina[14].

Por toda ela destaco o Enunciado n. 149, da III Jornada de Direito Civil: “em atenção ao princípio da conservação dos contratos, a verificação da lesão deverá conduzir, sempre que possível, à revisão judicial do negócio jurídico e não à sua anulação, sendo dever do magistrado incitar os contratantes a seguir as regras do art. 157, § 2º, do Código Civil de 2002”. Merece relevo, ainda, o Enunciado n. 290, da IV Jornada de Direito Civil, que menciona a possibilidade de ingresso da ação de revisão de forma direta, por aquela que suportou a desproporção: “nas hipóteses de lesão previstas no art. 157 do Código Civil, pode o lesionado optar por não pleitear a anulação do negócio jurídico, deduzindo, desde logo, pretensão com vista à revisão judicial do negócio por meio da redução do proveito do lesionador ou do complemento do preço”.

Pela realidade jurídica brasileira, mesmo em contratos envolvendo trabalhadores ou pensionistas é possível estipular o percentual de 30% (trinta por cento). O argumento ganha muito mais força nos contratos celebrados entre advogados e empresas, em que a intervenção do julgador deve ser menor, muitas vezes presentes disputas arbitrais entre elas.

Entendo que, em casos tais, além de não se pode falar em inexperiência ou premente necessidade das partes, não há qualquer onerosidade excessiva ou desproporção negocial no contrato. Tais negócios, como se sabe, revelam-se na prática como negócios jurídicos paritários e simétricos, plenamente negociados por contratantes em situação de igualdade material, que atrai não só a ideia de preservação da alocação dos riscos, mas também daquilo que por elas foi convencionado, em prol da intervenção mínima, consagrada pela própria Lei da Liberdade Econômica (Lei n. 13.874/2019). Nesse contexto, vale lembrar a previsão do seu art. 1º, segundo o qual “fica instituída a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, que estabelece normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica e disposições sobre a atuação do Estado como agente normativo e regulador, nos termos do inciso IV do caput do art. 1º, do parágrafo único do art. 170 e do caput do art. 174 da Constituição Federal”.

Sobre a aplicação da Lei da Liberdade Econômica, o § 1º desse mesmo art. 1º estabelece que “o disposto nesta Lei será observado na aplicação e na interpretação do direito civil, empresarial, econômico, urbanístico e do trabalho nas relações jurídicas que se encontrem no seu âmbito de aplicação e na ordenação pública, inclusive sobre exercício das profissões, comércio, juntas comerciais, registros públicos, trânsito, transporte e proteção ao meio ambiente”. E mais, consoante o seu § 2º, “interpretam-se em favor da liberdade econômica, da boa-fé e do respeito aos contratos, aos investimentos e à propriedade todas as normas de ordenação pública sobre atividades econômicas privadas”.

Seguindo, destaco o art. 2º da Lei da Liberdade Econômica, com a valorização da força obrigatória do contrato, do pacta sunt servanda, ao prever que são princípios que norteiam a norma e com destaque para os três primeiros: a) a liberdade como uma garantia no exercício de atividades econômicas; b) a boa-fé do particular perante o poder público; c) a intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas; e d) o reconhecimento da vulnerabilidade do particular perante o Estado.

Presente um contrato paritário e simétrico, celebrado, por exemplo, entre um grande escritório de advocacia e uma empresa de médio ou grande porte, é imperiosa uma intervenção mínima estatal, valorizando-se aquilo que foi contratado em simetria e paridade. No mesmo sentido, merecem aplicações dois incisos do art. 3º da mesma Lei n. 13.874/2019, ao enunciar a “declaração de direitos de liberdade econômica”.

O primeiro deles é o inciso V deste art. 3º, preceituando entre esses direitos, “gozar de presunção de boa-fé nos atos praticados no exercício da atividade econômica, para os quais as dúvidas de interpretação do direito civil, empresarial, econômico e urbanístico serão resolvidas de forma a preservar a autonomia privada, exceto se houver expressa disposição legal em contrário”. Mais uma vez nota-se a necessidade de preservação da liberdade contratual, daquilo que foi estabelecido pelas partes por exercício da sua autonomia privada.

O segundo inciso é o VIII, assegurando a “garantia de que os negócios jurídicos empresariais paritários serão objeto de livre estipulação das partes pactuantes, de forma a aplicar todas as regras de direito empresarial apenas de maneira subsidiária ao avençado, exceto normas de ordem pública”. Assim, em negócios jurídicos paritários, é necessário sempre prestigiar o clausulado, que somente pode ser afastado quando houver lesão a norma cogente ou de ordem pública, o que não é o caso da estipulação de honorários contratuais em percentual em até trinta por cento dos ganhos do cliente.

Frise-se que todos esses preceitos e afirmações encerram, para os negócios jurídicos paritários e simétricos, a ideia de intervenção mínima, com a excepcionalidade da revisão contratual, da intervenção estatal ou dirigismo contratual. Como está no parágrafo único do art. 421 do Código Civil, “nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual”. E mais, consoante o inciso III do antes citado art. 421-A da própria codificação privada, “a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada”.

A ausência de desproporção, abusividade ou desequilíbrio no percentual de 30% (trinta por cento) sobre os ganhos do clientes quanto aos honorários contratuais de advogado afasta também qualquer possibilidade de revisão contratual por força da teoria da imprevisão ou da onerosidade excessiva, diante dos arts. 317, 478, 479 e 480 do Código Civil[15].

Na doutrina especializada, Paulo Lôbo aponta, na mesma linha do que sustentei que “considerando sua iterativa jurisprudência, no sentido de não se aplicar a legislação de proteção ao consumidor aos serviços de advocacia, o STJ tem recorrido ao instituto da lesão, previsto no art. 157 do Código Civil, quando o pacto de quota litis gera desproporção entre as prestações do contrato, com aproveitamento indevido em razão da situação de inferioridade do cliente. Em caso de quota litis com percentual de 50%, o STJ reduziu para 30% sobre a condenação obtida, sob o fundamento de ocorrência de lesão (REsp 1.155.200); em outro caso, considerou ausência de razoabilidade a proporção almejada pelos advogados, ‘superior ao benefício gerado pela causa ao cliente’ e que, com fundamento no Código de Ética e Disciplina da OAB, a quota litis deve ser calculada com base na quantia efetivamente recebida pelo cliente, em razão da cessão de seu crédito a terceiro, e não pelo valor apurado na liquidação da sentença (REsp 1.354.338)”[16].

Trata-se, em verdade, da hipótese em análise neste artigo de uma previsão de cláusula de sucesso. E nas precisas lições de Gladston Mamede, “é lícito estipular cláusula de sucesso, ou seja, honorários quota litis: havendo vitória, um percentual (acordado pelas partes contratantes) da condenação pertencerá ao advogado. Esse contrato cotalício ou cláusula cotalícia, é comum em lides trabalhistas e de responsabilização civil, mormente consumerista. Segundo o artigo 38 do Código de Ética e Disciplina, os honorários quota litis devem ser necessariamente representados por pecúnia e, quando acrescidos dos honorários da sucumbência, não podem ser superiores às vantagens advindas em favor do constituinte ou do cliente. Excepcionalmente, esclarece o parágrafo único desse dispositivo, se comprovado que o cliente carece de mínimas condições financeiras, tolera-se a participação do advogado em bens particulares, desde que esteja prevista em contrato escrito”[17]. Ademais, confirmando o que já demonstrei, pontua o mesmo doutrinador que “os honorários quota litis não se confundem com os honorários sucumbenciais, podendo o advogado receber ambos, cumulativamente. Aliás, nada impede que o advogado contrate honorários convencionais e, ademais, cláusula cotalícia, recebendo percentual sobre o objeto da demanda; e, também nesse caso, pode haver cumulação com honorários sucumbenciais”[18].

Além dos julgados superiores destacados por Paulo Lôbo, cabe trazer a lume outros, que confirmam a plena possibilidade de cobrança dos honorários contratuais ou convencionados em 30% (trinta por cento) do valor auferido pelo cliente, mesmo em demandas de natureza previdenciário, não se admitindo, contudo, a sua fixação em 50% (cinquenta por cento), essa sim exagerada:

[…]. O próprio Código de Ética e Disciplina da OAB prevê limites à estipulação de honorários contratuais, como se pode constatar no caput do art. 36, em que se estabelece que os honorários profissionais devem ser fixados com moderação. […]. Também no Código de Ética e Disciplina da OAB está previsto que, ‘na hipótese da adoção de cláusula quota litis, os honorários devem ser necessariamente representados por pecúnia e, quando acrescidos dos de honorários da sucumbência, não podem ser superiores às vantagens advindas em favor do constituinte ou do cliente’. Na hipótese dos autos, pontua-se que a estipulação contratual foi de 50% (cinquenta por cento) sem prejuízo dos honorários advocatícios de sucumbência. […]. Ressalta-se que as regras relativas ao Código de Ética e Disciplina da OAB são mencionadas para fins ilustrativos da limitação da liberdade contratual na fixação de honorários advocatícios, pois não se enquadram no conceito de Lei Federal (art. 105, III, da CF). […]. Assentada, portanto, a possibilidade de o Poder Judiciário limitar a retenção de honorários advocatícios contratuais, a fixação do limite máximo de 30% (trinta por cento) sobre o valor requisitado como critério de abusividade, assentada no acórdão recorrido, equivale a parâmetro genérico razoável. A propósito: ‘Ocorre lesão na hipótese em que um advogado, valendo-se de situação de desespero da parte, firma contrato quota litis no qual fixa sua remuneração ad exitum em 50% do benefício econômico gerado pela causa. Recurso Especial conhecido e provido, revisando-se a cláusula contratual que fixou os honorários advocatícios para o fim de reduzi-los ao patamar de 30% da condenação obtida’ (RESP 1.155.200/DF, Rel. Ministro Massami Uyeda, Rel. p/ Acórdão Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 22/2/2011, DJe 2/3/2011). […]. O critério objetivo ora firmado representa, como já ressaltado, parâmetro geral, possibilitando sua flexibilização diante de elementos fáticos concretos aptos a justificarem diferenciação de tratamento. […]. Recurso Especial não provido. (STJ, REsp 1.903.416/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 02/02/2021, DJE 13/04/2021).

PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESERVA DE HONORÁRIOS. PODER GERAL DE CAUTELA. POSSIBILIDADE. OBJETIVO DE EVITAR DANO À PARTE. PARTICULARIDADES DO PROCESSO. DISCUSSÃO ACERCA DO PERCENTUAL. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ CONTRATUAL. FUNDAMENTO NÃO ATACADO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 283/STF. AGRAVO INTERNO DO PARTICULAR A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A Corte de origem, à luz das provas carreadas aos autos, indeferiu o pedido de reserva de honorários contratuais, ao fundamento de que a reserva extrapolava o percentual máximo de 30% do total da condenação fixado pela OAB, ferindo os limites éticos que norteiam a relação entre as partes contratantes, especialmente, em demanda previdenciária, onde é clara a hipossuficiência informacional do contratante. 2. Contudo esse fundamento, autônomo e suficiente à manutenção do aresto recorrido, não foi impugnado nas razões do Recurso Especial, que limita-se a tratar da questão contratual, rechaçada pela Corte de origem por ofensa ao princípio da boa-fé, permanecendo, portanto, incólume. Dessa forma, aplicável, na espécie, por analogia, a Súmula nº 283 do STF. 3. Agravo Interno do Particular a que se nega provimento. (STJ, Ag. Int. no AREsp 1.037.727/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 08/10/2019, DJE 15/10/2019).

[…]. Trata-se de Agravo de Instrumento interposto contra decisão que, em sede de execução movida contra o INSS, deferiu o destaque dos honorários contratuais, limitado ao percentual de 20%. […] No caso em tela, a Superior Tribunal de Justiça juntada do contrato de honorários ocorreu em momento anterior à expedição dos alvarás de pagamento, como se depreende dos autos. Entretanto, o STF já se manifestou no sentido de não admitir a expedição de RPV em separado para pagamento de honorários contratuais, ressaltando que tal posicionamento não configura contrariedade à citada Súmula Vinculante nº 47. Portanto, possível autorizar que o destaque dos honorários ocorra pela mesma modalidade de pagamento a que está sujeita o crédito principal, limitado, todavia, ao percentual razoável de 30% (trinta por cento), posto que a fixação de honorários contratuais em valor superior a isto configura lesão, conforme entendimento jurisprudencial desta Corte, e também do STJ […] A quebra da regra da não intervenção ocorre quando identificada a abusividade, como no caso. Em que pese o art. 36 do Código de Ética e Disciplina da OAB não estabeleça um percentual máximo para contratação dos honorários, desde que fixados com moderação, fica ressalvada a hipótese em que seja possível constatar, de plano, a existência de vício capaz de infirmar as cláusulas contratuais livremente entabuladas pelas partes. Na hipótese em tela, o destaque limitado ao percentual de 30% garante os direitos de constituinte e patrono discutirem o eventual excesso e/ou remanescente pelas vias ordinárias próprias – extrajudiciais ou judiciais. […] (STJ, Ag. Int. no REsp. 1.909.835/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado 24/05/2021, DJE 01/07/2021).

Como se pode perceber, os julgados do Superior Tribunal de Justiça colacionados confirmam a regra da não intervenção do Poder Judiciário nos contratos celebrados entre clientes e advogados, o que somente pode ser excepcionado em casos pontuais, sobretudo quando houver vulnerabilidade ou hipossuficiência do cliente e o montante for superior aos 30% (trinta por cento). Acrescento, nessa linha o seguinte aresto: “a quebra da regra da não intervenção ocorre quando identificada a abusividade, como no caso, inexistindo ilegalidade ou impedimento jurídico para garantia da proteção dos direitos do contratante hipossuficiente (idoso). Caso em que o percentual contratado de 50% excede o limite fixado, configurando lesão contra a parte hipossuficiente, de modo que o destaque fica limitado ao percentual de 30%, garantindo-se os direitos do constituinte e patrono discutirem o eventual excesso e/ou remanescente pelas vias ordinárias próprias – extrajudiciais ou judiciais. […] O Superior Tribunal de Justiça já entendeu em mais de uma oportunidade que a cláusula contratual estabelecendo a verba honorária em 50% é manifestamente abusiva […]”. (STJ, Ag. Int. no REsp 1.909.766/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 26/04/2021, DJE 01/07/2021).

Acrescento, por fim, outro aresto da Terceira Turma do mesmo Tribunal Superior, que admitiu a fixação de honorários contratuais de 30% (trinta por cento) sobre os ganhos do cliente, em hipótese de recuperação de ativos em processo de falência, ou seja, em demanda de natureza empresarial. Esse é um importante precedente do STJ, que merece aqui uma destaque especial.

Por maioria de votos, foi rejeitada a imposição de limites para os honorários contratuais cobrados, não se aplicando o art. 85 do Código de Processo Civil. Tive a honra de atuar como parecerista neste caso concreto, cuja ementa foi assim produzida, com vitória do entendimento exarado na minha opinião doutrinária:

RECURSO ESPECIAL. FALÊNCIA. RASTREAMENTO ATIVOS. CONTRATAÇÃO. REMUNERAÇÃO. ÊXITO. POSSIBILIDADE. MELHOR INTERESSE DA MASSA FALIDA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA Nº 211/STJ. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA Nº 284/STF. IMPUGNAÇÃO. INSUFICIÊNCIA. SÚMULA Nº 283/STF. REEXAME DE PROVAS E CLÁUSULAS. SÚMULAS NºS 5 E 7/STJ. 1. A questão controvertida resume-se a definir o critério de remuneração da contratação de serviço de rastreamento e busca de bens, no Brasil e no exterior, para satisfação dos credores da massa falida. 2. O rastreamento e a busca de ativos desviados de massas falidas constituem procedimentos de risco, que, em muitos casos, não pode ser assumido pela massa falida, o que justifica que o juízo da falência, atento ao melhor interesse da massa, autorize a contratação mediante honorários de êxito, com a assunção dos riscos com o custeio das despesas para o trabalho pelo contratado. 3. Trata-se, na espécie, de honorários contratuais, estipulados pelas partes, não se aplicando os critérios para o arbitramento dos honorários do administrador judicial, previstos no art. 24, § 1º, da Lei nº 11.101/2005, ou mesmo os limites dispostos no art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil, destinados à fixação dos honorários sucumbenciais. Incidência da Súmula nº 284/STF. 4. Apesar de opostos embargos de declaração com a finalidade de sanar omissão, a parte recorrente não indicou a contrariedade ao art. 1.022 do Código de Processo Civil nas razões do especial, atraindo a incidência da Súmula nº 211/STJ. 5. A subsistência de fundamento não impugnado apto a manter a conclusão do aresto recorrido impõe o não conhecimento da pretensão recursal. Súmula nº 283/STF. 6. Na hipótese, acolher a tese pleiteada pelo agravante exigiria exceder os fundamentos do acórdão impugnado e adentrar no exame das provas e cláusulas contratuais, procedimentos vedados em recurso especial, a teor das Súmulas nºs 5 e 7/STJ. 7. Recurso especial não conhecido (STJ, REsp n. 1.967.252/RJ, relator Ministro Humberto Martins, relator para acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 16/4/2024, DJe de 13/5/2024).

Apesar de o recurso não ter sido conhecido por questões processuais, de forma implícita, ou obter dictum, foi expressa no aresto a impossibilidade de aplicação os parâmetros do art. 85 do Código de Processo Civil para os honorários contratuais ou convencionados, não sendo possível confundir os dois institutos jurídicos, como já demonstrado.

No que diz respeito ao art. 24 da Lei de Falência e Recuperações, não restam dúvidas de que igualmente não incidira para o caso, pois trata ele da remuneração do administrador judicial e não de advogados contratados para fazer a recuperação de ativos, presente contrato de risco, que deve ser preservado. Consoante este comando específico, que trata de situação totalmente diversa, “o juiz fixará o valor e a forma de pagamento da remuneração do administrador judicial, observados a capacidade de pagamento do devedor, o grau de complexidade do trabalho e os valores praticados no mercado para o desempenho de atividades semelhantes”. Ademais, como está em seu § 1º, “em qualquer hipótese, o total pago ao administrador judicial não excederá 5% (cinco por cento) do valor devido aos credores submetidos à recuperação judicial ou do valor de venda dos bens na falência”.

De fato, não se pode confundir a atuação do administrador judicial com a de advogados em casos de falência e de recuperação judicial. O administrador judicial, como se sabe, não representa ninguém, sequer os credores ou mesmo os devedores, sendo um agente auxiliar do Poder Judiciário ou da Justiça. A esse propósito, por toda a doutrina, explica Marlon Tomazette que “não há representação nos atos praticados pelo administrador judicial. Ele não recebe poderes de credores ou devedores para se manifestar. Sua investidura é originária e não em razão de uma representação. A própria terminologia utilizada tenta transparecer que o administrador judicial não é um representante dos credores. Hoje, não há qualquer dúvida de que o administrador judicial é ‘um agente auxiliar da justiça, criado a bem do interesse público e para a consecução dos fins do processo falimentar’, vale dizer, ele é um órgão auxiliar do juízo. Diz-se órgão do processo em contraposição às partes (devedor e credores), sendo os órgãos os instrumentos pelos quais o processo se desenvolve”[19].

Afirmar o contrário, e pretender aplicar uma regra prevista para o administrador judicial para advogados contratados pela massa falida contraria a jurisprudência do próprio Superior Tribunal de Justiça. A esse propósito, tem-se julgado que “o administrador judicial tem papel preponderante na condução da recuperação judicial e da falência, atuação que foi ainda ampliada com a reforma trazida pela Lei nº 14.112/2020. Na medida em que presta serviço essencial à administração da justiça, deve ser remunerado na forma da lei”. Ademais, o próprio julgado destaca que os honorários do administrador são fixados pelo juiz da falência e não pelas partes, em situação totalmente oposta ao que se vê no caso concreto: “a fixação e a forma de pagamento dos honorários do administrador cabe ao magistrado, não sendo possível sua negociação quer com o devedor, quer com os credores, diante da necessidade de garantir a imparcialidade do auxiliar do juízo” (STJ, REsp n. 1.905.591/MT, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 7/2/2023, DJe de 13/2/2023).

Na mesma linha, e de forma até mais contunde, ao tratar dos honorários devidos ao administrador judicial, concluiu o mesmo Colegiado que “a atividade do administrador judicial nomeado para atuar em processos de recuperação ou falência é equiparável à dos órgãos auxiliares do juízo, cumprindo ele verdadeiro múnus público. Sua atividade não se limita a representar a recuperanda, o falido ou seus credores, cabendo-lhe, efetivamente – seja em processos de soerguimento de empresas, seja em ações falimentares -, colaborar com a administração da Justiça. Precedente específico”. Sendo assim, em razão do trabalho realizado no curso das ações de soerguimento ou falimentares, o administrador faz jus a uma remuneração específica, cujo valor e forma de pagamento devem ser fixados pelo juiz, observadas as balizas do art. 24 da Lei 11.101/05. […]. Em contrapartida, os honorários advocatícios de sucumbência, como é cediço, constituem os valores que, em razão da norma do art. 85 do CPC/15, devem ser pagos pela parte vencida em uma demanda exclusivamente ao profissional que tenha atuado como advogado da parte vencedora” (STJ, REsp n. 1.759.004/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 10/12/2019, DJe de 13/12/2019).

Tudo isso revela a impossibilidade de revisão do contrato de prestação de serviços celebrado naquele caso concreto, o que foi muito bem aplicado pela jurisprudência superior, não se podendo justificar qualquer intervenção do Poder Judiciário na contratação, não havendo a possibilidade de revisão da cláusula contratual relativa aos honorários, com base nesses dispositivos citados, totalmente distantes da realidade fática da situação concreta.

Em verdade, em arremate final a este artigo, espera-se que novos julgados surjam no mesmo sentido, com a plena possibilidade de aplicação de índices que chegam a 30% (trinta por cento) dos ganhos do cliente, como honorários contratuais do advogado, sem que haja qualquer desproporção nessa convenção.

Referências

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DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 15ª Edição, 2010.

GUERRA, Alexandre Dartanhan de Mello. Comentários ao Código Civil: Direito Privado Contemporâneo. Coordenador: Giovanni Ettore Nanni. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

LÔBO, Paulo. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB. São Paulo: Editora Saraiva, 15ª Edição, 2023.

LÔBO, Paulo. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB. São Paulo: Saraiva, 15ª Edição, 2022.

LÔBO, Paulo. Direito Civil Volume 3. Contratos. São Paulo: Saraiva, 5ª Edição, 2019.

MAMEDE, Gladston. A Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei nº 8.906/94), ao Regulamento Geral da Advocacia e ao Código de Ética e Disciplina da OAB. São Paulo: Atlas, 6ª Edição, 2014.

NANNI, Giovanni Ettore. Comentários ao Código Civil: Direito Privado Contemporâneo. Coordenador: Giovanni Ettore Nanni. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 13ª Edição, 2019.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Juspodivm, 15ª Edição, 2023.

SIMÃO, José Fernando. Código Civil Comentado. Doutrina e Jurisprudência. Rio de Janeiro: Forense, 3ª Edição, 2021.

TARTUCE, Flavio. Código Civil Comentado. Doutrina e Jurisprudência. Rio de Janeiro: Forense, 3ª Edição, 2023.

TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial. Volume 3. Falência e Recuperação de Empresas. São Paulo: Saraiva, 12ª Edição, 2024.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Volume III. Contratos em Espécie. São Paulo: Atlas, 12ª Edição, 2012.

 

[1] LÔBO, Paulo. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB. São Paulo: Editora Saraiva, 15ª Edição, 2023, p. 25.

[2] LÔBO, Paulo. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB. São Paulo: Editora Saraiva, 15ª Edição, 2023, p. 25.

[3] GUERRA, Alexandre Dartanhan de Mello. Comentários ao Código Civil: Direito Privado Contemporâneo. Coordenador: Giovanni Ettore Nanni. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 1055.

[4] NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 13ª Edição, 2019, p. 1107.

[5] TARTUCE, Flavio. Código Civil Comentado. Doutrina e Jurisprudência. Rio de Janeiro: Forense, 3ª Edição, 2023, p. 465. Sobre as normas aplicáveis, completo com Paulo Lôbo: “O art. 692 do CC remete a disciplina do mandato judicial à legislação específica. Sobre essa matéria incidem: a) o art. 133 da Constituição, que estabelece ser o advogado indispensável à administração da justiça; b) o art. 206, §5º, II, do CC, que estabelece prescrever a pretensão relativa a honorários advocatícios em cinco anos; c) os arts. 103 e seguintes do CPC; d) os arts. 5º, 22 a 26, 34, 40 e 42 da Lei n. 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia e da OAB); e) o Código de Ética e Disciplina da OAB, quanto aos aspectos da deontologia profissional” (LÔBO, Paulo. Direito Civil Volume 3. Contratos. São Paulo: Saraiva, 5ª Edição, 2019, p. 419).

[6] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Volume III. Contratos em Espécie. São Paulo: Atlas, 12ª Edição, 2012, p. 278.

[7] CPC/2015. “Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. § 1º São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente.  § 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos: I – o grau de zelo do profissional; II – o lugar de prestação do serviço; III – a natureza e a importância da causa;

IV – o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. § 3º Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2º e os seguintes percentuais:  I – mínimo de dez e máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido até 200 (duzentos) salários-mínimos; II – mínimo de oito e máximo de dez por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 200 (duzentos) salários-mínimos até 2.000 (dois mil) salários-mínimos; III – mínimo de cinco e máximo de oito por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 2.000 (dois mil) salários-mínimos até 20.000 (vinte mil) salários-mínimos; IV – mínimo de três e máximo de cinco por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 20.000 (vinte mil) salários-mínimos até 100.000 (cem mil) salários-mínimos; V – mínimo de um e máximo de três por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 100.000 (cem mil) salários-mínimos. § 4º Em qualquer das hipóteses do § 3º: I – os percentuais previstos nos incisos I a V devem ser aplicados desde logo, quando for líquida a sentença; II – não sendo líquida a sentença, a definição do percentual, nos termos previstos nos incisos I a V, somente ocorrerá quando liquidado o julgado; III – não havendo condenação principal ou não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, a condenação em honorários dar-se-á sobre o valor atualizado da causa; IV – será considerado o salário-mínimo vigente quando prolatada sentença líquida ou o que estiver em vigor na data da decisão de liquidação. § 5º Quando, conforme o caso, a condenação contra a Fazenda Pública ou o benefício econômico obtido pelo vencedor ou o valor da causa for superior ao valor previsto no inciso I do § 3º, a fixação do percentual de honorários deve observar a faixa inicial e, naquilo que a exceder, a faixa subsequente, e assim sucessivamente. § 6º Os limites e critérios previstos nos §§ 2º e 3º aplicam-se independentemente de qual seja o conteúdo da decisão, inclusive aos casos de improcedência ou de sentença sem resolução de mérito. § 6º-A. Quando o valor da condenação ou do proveito econômico obtido ou o valor atualizado da causa for líquido ou liquidável, para fins de fixação dos honorários advocatícios, nos termos dos §§ 2º e 3º, é proibida a apreciação equitativa, salvo nas hipóteses expressamente previstas no § 8º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 14.365, de 2022) § 7º Não serão devidos honorários no cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública que enseje expedição de precatório, desde que não tenha sido impugnada. § 8º Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º. § 8º-A. Na hipótese do § 8º deste artigo, para fins de fixação equitativa de honorários sucumbenciais, o juiz deverá observar os valores recomendados pelo Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil a título de honorários advocatícios ou o limite mínimo de 10% (dez por cento) estabelecido no § 2º deste artigo, aplicando-se o que for maior. (Incluído pela Lei nº 14.365, de 2022) § 9º Na ação de indenização por ato ilícito contra pessoa, o percentual de honorários incidirá sobre a soma das prestações vencidas acrescida de 12 (doze) prestações vincendas. § 10. Nos casos de perda do objeto, os honorários serão devidos por quem deu causa ao processo. § 11. O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento. § 12. Os honorários referidos no § 11 são cumuláveis com multas e outras sanções processuais, inclusive as previstas no art. 77. § 13. As verbas de sucumbência arbitradas em embargos à execução rejeitados ou julgados improcedentes e em fase de cumprimento de sentença serão acrescidas no valor do débito principal, para todos os efeitos legais. § 14. Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial. § 15. O advogado pode requerer que o pagamento dos honorários que lhe caibam seja efetuado em favor da sociedade de advogados que integra na qualidade de sócio, aplicando-se à hipótese o disposto no § 14. § 16. Quando os honorários forem fixados em quantia certa, os juros moratórios incidirão a partir da data do trânsito em julgado da decisão. § 17. Os honorários serão devidos quando o advogado atuar em causa própria. § 18. Caso a decisão transitada em julgado seja omissa quanto ao direito aos honorários ou ao seu valor, é cabível ação autônoma para sua definição e cobrança. § 19. Os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência, nos termos da lei. § 20. O disposto nos §§ 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 6º-A, 8º, 8º-A, 9º e 10 deste artigo aplica-se aos honorários fixados por arbitramento judicial.       (Incluído pela Lei nº 14.365, de 2022)”.

[8] DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 15ª Edição, 2010, p.  374.

[9] ALVES, Jones Figueirêdo; DELGADO, Mário Luiz. Código Civil Anotado. São Paulo: Método, 2005. p. 203.

[10] NANNI, Giovanni Ettore. Comentários ao Código Civil: Direito Privado Contemporâneo. Coordenador: Giovanni Ettore Nanni. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 620.

[11] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Juspodivm, 15ª Edição, 2023, p.  217.

[12] SIMÃO, José Fernando. Código Civil Comentado. Doutrina e Jurisprudência. Rio de Janeiro: Forense, 3ª Edição, 2021, p. 250.

[13] CC/2002. “Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta. § 1º. Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico.

  • 2º. Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito”.

[14] CC/2002. “Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico: I – por incapacidade relativa do agente; II – por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores”.

[15] CC/2002. “Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação. Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação. Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato. Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva”.

[16] LÔBO, Paulo. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB. São Paulo: Saraiva, 15ª Edição, 2022, p. 72.

[17] MAMEDE, Gladston. A Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei nº 8.906/94), ao Regulamento Geral da Advocacia e ao Código de Ética e Disciplina da OAB. São Paulo: Atlas, 6ª Edição, 2014, p.196.

[18] MAMEDE, Gladston. A Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei nº 8.906/94), ao Regulamento Geral da Advocacia e ao Código de Ética e Disciplina da OAB. São Paulo: Atlas, 6ª Edição, 2014, p.196.

[19] TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial. Volume 3. Falência e Recuperação de Empresas. São Paulo: Saraiva, 12ª Edição, 2024, p. 64.